O Milagre de Rafa

Após sete meses de vida, três meses de internação, muitos exames e investigações; levar um mês para aprender a sugar e beber o volume necessário pra ter alta, minha filha começa a ter convulsões.

Já estávamos com a vidinha quase perfeita. Ele, professor e eu também. Nossos horários combinados para o ano seguinte. Os exames ainda não tinham indicado nada muito alarmante. Fisioterapia era essencial. Faziam no hospital. Mas aquilo, epilepsia, não estava nos meus planos; até porque, nunca está nos planos de nenhuma mãe. É sempre um susto. No início dessa experiência de assistir imóvel minha Rafaelinha tendo uma crise epilética sem saber o que fazer, só me ocorre uma palavra: pesadelo.

De repente, minha filhinha está deitada no chão da sala, em sua cadeirinha favorita e começa a fazer movimentos estranhos. Jamais havia visto um bebê fazendo aquilo. Os olhos viravam. Seu corpinho frágil se jogava para frente. Mão e pernas pareciam empurrar uma bola imaginária. Como foi difícil presenciar aquilo.

Eu estava sozinha. Não contei para minha mãe, apesar de ela estar bem próxima. Perdi meu chão. Decidi contar apenas para o marido.

Tínhamos ido em um neurologista semanas atrás e deu tudo normal. Precisava de uma emergência. Mas não existe emergência para neurologistas. Filmei e mandei para meu primo enfermeiro. A família ficou chocada. Vi uns vídeos na internet que me fizeram chorar muito sobre crianças tendo crises de epilepsia, era só pra confirmar e confirmado estava: minha bebê de apenas sete meses têm crise epiléptica.

Fomos a pediatra. Ela percebeu que Rafa tinha atraso no desenvolvimento apenas pelo choro e pelo modo como  ela se comportava em sua frente.

O tempo ia passando e mais remédios iam entrando no organismo dela. Aquilo me consumia. Era muito remédio para uma criança que nem sequer tinha dois anos. Foi muito difícil controlar o sono. As crises na madrugada eram certas. Nem sempre ela voltava a dormir de imediato. Ela costumava ficar brincando. Era certo que as crises a despertavam. 

Eu já não entendia mais nada. Eu queria acordar daquele pesadelo. Mas era real. Era minha filha. Todos diziam que ela era muito linda, comportada e quietinha. Mas eu sabia, só não dizia que na verdade ela estava dopada de tantos remédios.

Um médico me disse certa vez que quando  uma mãe presencia uma crise desse tipo, é como se presenciasse a morte de um filho.   E nós presenciávamos essas crises rotineiramente. O sentimento de impotência nos dominava.

Imaginem o meu alívio ao encontrar um grupo de mães àquela altura. Eu encontrei mães que tinham filhos e filhas com a mesma síndrome, usando maconha para fins medicinais e auxiliando outras mães que também usavam para outras patologias, para outras síndromes raras. Todas não obtiveram sucesso com os mesmos remédios que Rafaela usava e davam cannabis para seus filhos.

Depois de estar convencida de que aquele era o caminho, eu descobri que precisava de um médico presencial que prescrevesse cannabis. Circulava uma lista nesse meio. Todos particulares e todos bem longe de mim em duplo sentido. Eu não tinha condições de pagar aquelas consultas tão  caras. 

Para todos os lados que eu olhava, eu via a burocracia no meu caminho. Eu tinha que burlá-la. Consultas caríssimas e o valor da cannabis importada era muito acima de minhas condições. Eu fiz o que sempre faço de melhor, orei. Orei muito e com muita fé por vários dias, talvez semanas.

Os relatos de sucesso cresciam. Eu sempre chorava, eu sonhava com o dia em que eu também contaria essa história de sucesso.

Até que no desespero, numa certa noite eu apelei e postei a seguinte frase:

Olha gente, vocês vão me passar o contato do fornecedor do óleo? Porque eu sei que a maconha vai curar a minha filha e se vocês não me passarem até amanhã, eu vou subir o morro.

Tudo mudou depois disso. Uma mãezinha me chamou no privado, minha querida amiga Ângela. Ela perguntou: _ Você tem certeza que você quer dá maconha pra sua filha?

Eu respondi com a voz embargada: _ Sim.

Ela insistiu: _ Mas você sabe que é crime, né?

Com muita firmeza eu disse: _ Fica tranquila porque a responsabilidade é toda minha.

Ela me deu o contato de um fornecedor. Hoje, um grande amigo. Na manhã seguinte eu chamei meu marido e disse: _ Em breve nossa filha vai estar tomando maconha medicinal. Ele ficou muito confuso. Eu fui bem didática. Expliquei com muita calma as minhas pesquisas. Deixei bem claro que o remédio já estava a caminho e que não havia negociação sobre esse assunto.

Me recordo de ter sido bem enfática:_  A cannabis vai curar nossa filha. Ele não entendeu direito, mas apoiou. Não sei explicar. Eu tinha muita certeza.

Uns seis meses depois, eu estava deitada na cama com ela, quando ele chegou com aquele pacote: um frasco de 30 ml de extrato de flor de cannabis.  Eu provei e dormi o resto da tarde. Foi meu primeiro soninho tranquilo depois de me tornar mãe.

Dei uma gotinha apenas à noite  para iniciar o tratamento com Rafaelinha e na manhã seguinte, minha filha se comportava pela primeira vez como uma criança levada, curiosa e atenta. Nos encarava num “olho no olho” tão intenso que eu gelei.

Era um milagre. Tudo que li era verdade. Pesquisei muito, não duvidei de nada. Li textos em português, inglês e espanhol. Ouvi algumas palestras. Passei a seguir médicos nacionais e internacionais. Minhas noites passaram a ser produtivas, já que dormir era raro.

Rafa hoje tem dez anos. As crises de epilepsia cessaram, o autismo nível três está controlado.  Frequenta a escolinha, tem amiguinhos e está bem, no que é possível, dentro do  espectro.

Graças à Cannabis e a todos que me incentivaram, apoiaram e me orientaram no caminho da cura e da felicidade, tenho muito orgulho de fazer parte do Instituto Oficinalis, a idealização de um lugar de amor e cura, de esperança e fé para quem quiser.

Meu relato sobre minha experiência como mães atípica e o início de minha caminhada em direção ao uso medicinal da cannabis fazem parte de trechos de meu livro: O MILAGRE DE RAFA. ed. Semeando Letras. 2020.

Lilian Silva de Magalhães | @lilikmagal | Professora,  Tradutora,  Pesquisadora, Palestrante e Influenciadora Digital

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