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Famílias Atípicas

Dizem que, quando nasce uma criança, nasce uma mãe, nasce um pai, cresce a família.

Mas e quando ao nascer ou ao longo do tempo, essa criança apresenta comportamentos, necessidades, déficits e mesmo impossibilidades de estar inserido [satisfatoriamente] para além deste pequeno grupo?

Como em um efeito dominó, todos nesta casa – e muitas vezes começa sutilmente –  vão se moldando, se privando, deixando de fazer, de ir, de receber, até a casa têm seus objetos e decorações alterados para evitar situações que só quem vive sabe; para evitar explosões, crises, inadequações, dores, resoluções de conflitos, olhares, julgamentos alheios, mal-estares, etc. Contudo, a vida segue sempre segue; e cada qual vai se ajustando como consegue, vai se encaixando ou saindo de cena. Cada um tem a sua história, que é escrita dia a dia, desde a concepção. Essa engrenagem fantástica nos faz únicos, mas moldáveis, tudo muda o tempo todo, já dizia o filósofo Heráclito e está na música do Lulu Santos. Cada qual se molda como consegue, de acordo com suas próprias condições, bagagens e dentro dos seus processos íntimos individuais e no coletivo.

Para ser e agir diante ao nascimento, desenvolvimento, crescimento e necessidades de uma criança ou pessoa atípica, os tutores se transformam, crescem agigantam-se, fazendo e cumprindo todo o necessário, de acordo com o que eles sabem e conforme flui, por tantas vezes indo além do possível e imaginável. Sobrecarregados, ficam esgotados, emocionalmente e fisicamente, sem descanso, alguns adoecem – superficialmente, porque na maioria das vezes é o que cabe –  sempre há um incêndio para apagar ou ter que ficar segurando a chama, para não deixá-la crescer e explodir.

Dicas, sugestões, orientações histórias caminhos? Temos, rs  todos têm: família, professores, profissionais, especialistas, médicos, pastores e padres. Mas nada cabe a todos o tempo todo (só o básico bem feito? Talvez!). É preciso aprender ouvir o próprio coração e intuição, fortalecer os vínculos, buscar conhecimento e rede de apoio e se fortalecer enquanto pessoa, nos âmbitos psicológico, emocional e físico. Se conhecer, se amar para estar bem e nos desafios dos dias, fazer escolhas que promovam melhores resultados para si e para o que necessita.

Lembrar que a criança vai crescer, pode nos despertar para as práticas simples na rotina da casa, e fazer a criança a mais autônoma possível.  Certo? Errado? Justo?  Não sabemos se não vivemos naquele núcleo, não conhecemos as intenções, a história e emoções dos corações envolvidos. Cada um faz o seu melhor.

E nós, que estamos do lado de fora podemos nos fazer apoio, estando disponíveis e despidos de julgamentos, para acolher sem interferir, oferecer auxílio quando possível, e se sincero for, conversando, ouvindo, estando junto e no mais que couber na relação desenvolvida, levando em conta o bem-estar de ambas partes. Quem cuida precisa de cuidados e principalmente, precisa encontrar os recursos dentro de si para as estratégias e momentos de auto cuidado, amor e respeito a si mesmo, além daqueles momentos de vínculos externos como encontro com os amigos, estudar, ler, fazer um curso, aprender algo novo, praticar um esporte entre tantas outras opções para cultivar boas práticas e se olhar, para conhecer suas preferências, necessidades e ter paz para conseguir amar, cuidar e dedicar tanto tempo, disposição emocional e física àquele que necessita e que estará sempre no seu lar, sob os seus cuidados, mesmo depois de crescido.

Como professora de pessoas com necessidades especiais há 9 anos, depois de 14 anos na educação básica regular estive responsável por atender crianças, jovens e adultos com diferentes deficiências, dificuldades e ou síndromes. É visível o quanto os responsáveis precisam e ou naturalmente vão se privando de tudo: do luxo ao básico, dos padrões de necessidades aos sonhos; do sono aos eventos sociais e viagens. Isso, de se enquadrarem e se isentarem da vida que tinham ou que sonharam não é uma decisão consciente e do dia para a noite, é como uma nascente, um fio de água que a cada nova descoberta ou acontecimento vai aumentando e tendo mais força e só lá na frente quando já virou um rio turbulento de circunstâncias, solidão e mesmice, sente-se que já passou muito tempo, que muitas pessoas, oportunidades e sorrisos ficaram para trás. Mas sempre é possível olhar e fazer de novo buscas, encontros, aproximar gentes, olhar para si e cultivar coisas e emoções que lhe fazem bem. O rio voltará a correr com mais fluidez, na alegria da renovação, lembrando que nunca se tem a mesma água 2 vezes porque ela como a vida, não para.  Olhar as margens, as extensões desse rio, ae alimentar de águas que façam bem. Alimentar-se de boas companhias, boa música, bons livros, histórias, filmes amizades, estudos e tudo mais que for para te fazer, sorrir e ter paz. Perdoar, amar, crescer e viver. E que possamos todos ter olhos para ver que lá na frente o rio desagua no grande mar e encontra o horizonte, o céu, as inúmeras cores e as mais belas cenas para contemplar viver e ser.

Autora: Michele Seccomandi

 

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